ALFA - IV
Muitos alunos tiveram seu dia diante de Artemidoro. Alguns se saíram muito bem, e outros foram derrotados de muitos modos. Um destes derrotados foi Iolau, mas ele não foi simplesmente derrotado, foi humilhado. Iolau desde o primeiro dia sempre foi o mais choroso da turma. Todos já o conheciam o bastante para saber que no mínimo ele sairia de lá chorando. Mas nenhum dos meninos esperava que fosse de tal maneira. Naquele dia em que uma suave chuva insistia em cair sobre o acampamento infantil, Iolau foi chamado por Artemidoro.
- Onde está o músico?
Iolau logo soube que era com ele. Levantou-se resignado como alguém que já conhecesse o próprio futuro, logo que se ergueu, risinhos e piadas acompanharam seu caminhar decidido em direção ao professor. Quando Iolau chegou, cabisbaixo e envergonhado das palavras que ouvira, Artemidoro ergueu seu rosto pequeno e delicado pelo queixo e olhou nos seus profundos olhos negros. Os negros olhos de Iolau já estavam marejados. Alceu conseguiu ouvir perfeitamente de onde estava as palavras do professor:
- Tens o nome de um herói heráclida, honre-o.
Artemidoro olhou em volta. Os meninos se agitaram. Todos gostariam de lutar com Iolau. Mesmo Alceu. A chuva caiu um pouco mais forte, e Artemidoro ergueu uma mão para proteger seus olhos dos gelados pingos de chuva que caíam. Os meninos consideravam aquela a melhor chance de todos de sair-se bem diante do professor. Todos sabiam que facilmente derrotariam o choroso Iolau. O que clamava por sua mãe todas as noites. Mas Artemidoro escolheu Anquises. O maior dos meninos que treinavam ali. Iolau não se conteve, as lágrimas já começaram a descer. Um soluço seu deixou-se escapar. E um menino que ouviu, logo gritou:
- Anquises, a bonequinha já chora!
Anquises ficou ainda mais confiante. Logo ele estava diante do paidonomos, armado com sua espada e escudo. E ria despudoradamente em direção a Iolau. Artemidoro se afastou. Os monitores aproximaram-se e os meninos cercaram os dois gladiadores.
- Acaba logo com isso, Anquises. Gritou um menino.
Anquises fincou suas poderosas pernas na lama. Firmando sua postura. Iolau fungou uma última vez segurando suas lágrimas e também preparou suas armas. Ele não pensava em fugir. Alceu estava bem perto nesta hora. Ficou com medo de Anquises, e agradeceu a Afrodite Espartana porque ele não fora escolhido para lutar com aquele brutamontes. Também respeitou mais Iolau a partir daquele instante, e viu que todos faziam o mesmo, porque o choroso menino estava preparado para lutar. Não fugiria. E pra surpresa de todos foi o primeiro a atacar.
Iolau foi rápido e isso surpreendeu Anquises. A espada de madeira logo vibrou nas costas do gigante. E este se irritou. Iolau fugiu e apenas ouviu os xingamentos de Anquises. Mole. Efeminado. Dado a prazeres. Descontrolado. Distante, Iolau se pôs novamente em posição de combate e logo sentiu a espada de Anquises vibrar contra seu escudo. Ele quase foi jogado pela força do ataque do menino, mas conseguiu se segurar. Ele então, apoiou-se no próprio joelho e forçou seu escudo contra Anquises, tentando desequilibrá-lo. O que não funcionou. Anquises, no entanto, conseguiu encontrar um buraco no seu flanco, e desferir um golpe na altura do seu rim, que fez com que Iolau caísse de joelhos.
Enfurecido, Anquises não esperou que ele se levantasse. Puxou-o pelos cabelos e lançou-o a lama. Gritava ele:
- Agora tu aprendes a ser homem! Agora aprendes!
Anquises forçava a cabeça de Iolau ao chão. Fazendo com que ele mal respirasse. As lágrimas quiseram irromper, mas Iolau conteve-se e alcançou uma pedra que estava no chão. Ele ergueu-a e atirou-a contra Anquises. Este fugiu a pedra, o que permitiu que Iolau se erguesse, com lama no rosto e no peplo, mas ele apenas encontrou Anquises com o pé sobre sua espada e escudo, rindo.
- N-não é justo que eu lute desarmado! Gaguejou Iolau.
Em resposta ouviu-se o riso de escárnio de Anquises que o atacou. Iolau tentou escapar, mas quando se viu acuado entre seu companheiro-de-batalha e a platéia, não pode mais fugir. Seus olhos imploravam uma espada, mas nenhum dos meninos se dignou a dar. Os poucos que tentaram foram impedidos por seus amigos. Eles riam. E Iolau sentiu a madeira vibrar em suas espáduas. Ele virou-se e ela vibrou em suas magras coxas. Quando baixou o braço para proteger mais do seu corpo, Anquises aproveitou a brecha e atacou seu rosto. Sangue escorreu. Ele não sabia de onde, mas seu rosto agora estava coberto por lama, lágrimas e sangue e ninguém parecia se importar. Foi quando um "basta" encerrou aquela balbúrdia.
Iolau reconheceu a voz de Artemidoro. Reconheceu a voz do secretário de seu professor também proferindo a sentença final.
- Anquises venceu!
Alceu ouviu as crianças gritarem. O próprio Anquises gritar com uma excitação que denunciava sua infantilidade. Ele viu as forças dos joelhos de Iolau sumirem, e ele deixar-se cair ali, em meio a chuva que continuava lavando-lhe as feridas. Iolau chorava. Soluçava. E Alceu deixou-se acompanhar com os meninos que comemoravam com Anquises, e passavam por Iolau, às vezes aproveitando para aumentar-lhe o sofrimento com um chute ou uma cuspida. Quando ele estava bem na frente, olhou para trás e viu Heleno lá sentado com Iolau. Ele limpava o rosto do menino com seu próprio peplo. Ele agora o passava no rosto sujo de lama do menino. A chuva o ajudava. Alceu teve o ímpeto de voltar, mas apenas parou e ficou observando. Era possível ver o corpo de Iolau arquejando pelos soluços. E também o olhar encantado que ele dirigia ao Heleno. Este era sério. Irascível. Seus cabelos tinham perdido o brilho dourado comum por causa da chuva que os encharcava. E ele não olhava para os olhos de Iolau, olhava para a lama no rosto dele. Alceu ainda viu Iolau ser erguido por Heleno que o levou para o acampamento. E quando eles se afastavam a chuva caía cada vez mais forte. Logo se ouviu os Irenai avisando que as aulas seriam suspensas, que todos deveriam se recolher. E assim as crianças fizeram. E a noite os soluços de Iolau estranhamente não foram mais ouvidos.