Friday, December 01, 2006

ALFA - V

Faltavam poucos alunos a terem sua preleção com Artemidoro quando chegou à vez de Alceu. No dia anterior ele comentara com Clício antes de dormir que não agüentava mais tanta espera. Clício continuava ignorando suas respostas, ocupado demais em falar, mas quando era Alceu que iniciava a conversa, ele prestava atenção. Alceu aprendera a conversar com Clício, ele esperava com que o amigo esgotasse todo o assunto pra apenas depois falar-lhe algo. Clício aprendera também a ouvir. Mesmo apenas nestas condições. Na noite anterior eles falaram sobre o que se falava de Iolau e Heleno no acampamento. Eles eram companheiros de cabana, e desde o dia da luta se tornaram cada vez mais próximos. Ele o havia defendido várias vezes desde então e, com isso, ninguém mais tinha coragem de falar qualquer coisa sobre Iolau com medo de Heleno. Alceu havia comentado que era melhor assim, mas Clício nem chegara a ouvir, apesar de ter comentando o mesmo. Quando Clício calou-se, sem mais assunto, Alceu aproveitou e falou que estava ansioso para lutar. Ele pretendia falar "diante de Artemidoro", mas conteve esta parte por pudor. Clício então respondeu:
- Eu também quero lutar logo! A gente fica muito preocupado. Esperando o dia da gente. Esperando pra saber se vamos ganhar, ou perder. Quero lutar logo, também. Logo!
Naquela noite Alceu teve um sonho. Sonhou que estava em casa, entre os jardins de sua mãe. Ele conseguia sentir o perfume das flores que sua mãe tratava com tanto carinho. Ele também ouvia os risos de sua irmã, Nykke, que sempre encheram de vida sua casa. A via passar girando com sua boneca, cercada por ninfas que só ela via. Ele também ouvia as escravas cantando enquanto espremiam a oliva e cozinhavam carneiro. Ele adorava o cheiro do óleo de oliva recém-espremido quando se misturava com o do carneiro cozido. E como sempre, quando ele pisava na cozinha, a escrava mais velha de sua mãe, Eunôe, virava-lhe e dizia:
- Aqui não é lugar para você, mocinho.
E pegava-lhe no colo e o levava para o jardim, onde a mãe dele costumava ficar bordando com outras escravas e com suas irmãs mais velhas, Gogo e Aretha. Eunôe sentava. Ela sempre tinha uma estória para contar-lhe. Ninfas, serpentes assassinas, sátiros apaixonados, deuses vingativos, Afrodite espartana. Sua sacerdotisa foi a doce e velha Eunôe. Foi sentado em seu joelho, ouvindo Nikke brincar, que Alceu conheceu o mundo sagrado de seus deuses. Ele sonhou com as palavras de Eunôe e acordou quando Herácles agarrava a última cabeça da Hidra de Lerna.
Clício o acordara falando como sempre. Hélios ensaiava seus primeiros raios, quando mais uma vez o sinal de inicio dos treinos tocou. Juntos Clício e Alceu foram tomar seu desejum, e também juntos chegaram ao campo de treinamento. Vários meninos chegaram com eles, e a manhã passou entre exercícios físicos e lutas. Próximo ao almoço, com os meninos cansados e famintos, Artemidoro chegou ao campo. Como havia se tornado hábito nesta semana, os meninos deixaram de parar seus exercícios quando o professor chegava. Eles o observavam, mas deixaram de congelar diante dele. Ainda o temiam, mas um medo muito mais respeitoso do que temível. Apenas quando ele ergue sua voz que todos os meninos pararam seu treinamento. Aproximaram-se de Artemidoro e ele tocou no ombro de Clício. Clício pulou. E adiantou-se falando. Excitado. Disse seu nome. E falou as letras ao secretário que escrevia seu nome. Capa-lambda-iota-capa-iota-omicrón-ni. O adolescente assustou-se e anotou o nome do menino, não sem esquecer de anotar que ele também sabia ler e escrever. Clício viu isso. E tentou comentar com Alceu que o observava, mas Artemidoro não deixou que eles se falassem. Porque tocou no ombro de Alceu também, ordenando que ele se adiantasse.
Clício ficou feliz. E adiantou-se e falou ao secretário que o nome de seu amigo era Alceu. Alfa-lambda-capa-épsilon-ni. A irritação do secretário ficou visível, e Artemidoro comentou:
- Encontraste outro como tu eras, Alcmeon?
O secretário riu de soslaio. Acabou por deixar-se vencer pelas palavras do paidonomos. E logo as armas estavam nas mãos dos garotos. De um excitado Clício e um extremamente preocupado Alceu. Clício parecia ver tudo como uma grande brincadeira. Afinal quantas vezes ensaiara aquela luta com seu amigo Alceu? Muitas. E eles haviam se tornado grandes amigos. Costumavam sair sempre juntos das aulas, costumavam ir ao banho juntos e, nos raros momentos de folga, era com Alceu que Clício passava o tempo. Para ele nada poderia dar errado naquela luta com um amigo. Mas Alceu pensava diferente. Clício não se tornara um fator que facilitaria aquela prova. Mesmo já o tendo derrotado, várias vezes nos treinamentos. Mas antes Artemidoro não os observava, e agora, ele estava lá, de pé, sob o sol do meio-dia, analisando.
Clício foi o primeiro a atacar. Com um sorriso no rosto, ele largou sua espada contra a espada de Alceu. Alceu firmou seu braço e agüentou firme. Logo empurrou seu amigo, que deu um passo para trás e, com o mesmo sorriso, preparou seu escudo para o que vinha. Alceu continuou. Atacou o couro de cabra do escudo com vigor, enquanto Clício caminhava lentamente para trás, até que de um ímpeto o menino letrado girou para a direita e correu, deixando Alceu sem saber o que acontecera. Clício então, ainda rindo, viu os olhos de Alceu procurando-o. Alceu se sentiu um idiota nesse momento e pensou apenas no que Artemidoro pensava dele. Foi quando ele atacou. Clício conteve novamente seu ataque com o couro de seu escudo, novamente girou e novamente manteve-se longe. Nova humilhação subiu ao coração de Alceu. E ele novamente atacou, ainda com mais força. Sua espada vibrou no ar, e explodiu no escudo de Clício, que então ajoelhou-se e atacou o joelho de Alceu com sua espada. A perna de Alceu fraquejou, e ele caiu no chão de costas. Tentou erguer-se, mas Clício apontou a espada para o rosto dele e em seguida jogou suas armas. Nesse momento Artemidoro ordenou o fim da batalha:
- Clício venceu!
E se retirou dali. Conversando com seu secretário.

1 comentários:

Eduardo 8:20 PM  

lenin...
estava torcendo para o alceu ganhar...
E qnt tempo vai demorar para eles fazerem 17 anos?
Pelo menos 15... eheheh

Otema a história!!
abraços

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