BETA - IV
Novo dia no acampamento infantil. O sol ergueu-se tímido por causa da chuva do dia anterior. Hélios levantou-se preguiçoso, mas os Irenai não. Logo seu sinal vibrou por toda a cazerna, e os meninos estavam de pé. Heleno ergueu-se primeiro, Iolau dormiu tanto que não ouviu o sinal tocar, foi seu amigo que o chamou. Ele esfregou os olhos e tentou entender o que acontecera, quando lembrou de como fora tocado por seu amigo, seu rosto cobriu-se de um tom carmim em instantes. Ele quis esconder-se sob aquela coberta o quanto pudesse, mas Heleno falou com sua voz firme de menino.
- Temos que esconder a coberta, Ios. Se algum dos meninos a encontrar, com certeza, roubar-nos-ão.
Iolau concordou e, lentamente, sem olhar nos olhos do seu amigo, arrumou a coberta e escondeu-a sob a palha. Contudo, sempre que Heleno estava distraído, olhando para fora, procurando as armas deles, checando se havia parado de chover, Iolau aproveitava para olhar para seu amigo. Reparou no seu corpo. Na sua postura. Tentou até corrigir a sua. Sempre com os ombros caídos e a queixo tocando o próprio peito, ele se ergueu. Repirou fundo. E encheu os pulmões de ar completamente pela primeira vez em sua vida.
Arrumados e armados, Heleno e Iolau partiram para a cantina. Chegaram e sentaram-se na mesa de sua sissítia e comeram o leite ralo e o pouco queijo que foi servido. Chegaram juntos pela primeira vez, e também sentaram lado a lado. Conversando animadamente. E quando eles caminhavam até a mesa, alguns meninos comentaram e riram quando Iolau passou. Lembraram da luta. Das humilhações proferidas. Ele normalmente se ofendia muito com o que era dito. Normalmente por causa disso ele não olharia no rosto de ninguém em sua mesa com vergonha. Contudo, desta vez, antes que ele sentisse algo, Heleno se interpôs.
- Iolau foi um grande guerreiro ontem! Soube perder!!
Iolau não viu os meninos que o encarniçavam, apenas viu os olhos verdes de Heleno. E lá encontrou forças para enfrentar as ofensas que eram dirigidas a ele. Na amizade de Heleno, Iolau se tornava mais forte. Porém, mesmo assim, no desejum, sentados à mesa, Anquises se aproximou. E tomou a comida que Iolau levava a boca.
- Acho que tu não mereces este alimento - e riu - ele pertence aos guerreiros.
Iolau não soube o que fazer, nem precisou. Heleno ergueu-se de súbito.
- Devolve, Anquises.
O menino gigantesco se assustou. Olhou para Heleno, e lia-se pavor nos seus olhos.
- Que tens com isso, Heleno? Disse um menino atrás de Anquises.
- Ele é da minha sissítia. Meu amigo. Devo protegê-lo, como ele a mim.
Anquises ficou ainda com mais medo. E quando mais dois meninos da mesa se levantaram: Alexandre e Clício. Ele claramente desistiu de seu intento. Devolveu a comida de Iolau e gaguejou um pedido de desculpas que fez o sorriso de Iolau se iluminar. Ele voltou cabisbaixo para a mesa dele, e pode-se apenas ouvir, ao longe, Tales, o líder dos Águias, a sissítia que Anquises fazia parte, reclamar com seu subordinado, informando-lhe que eles não seriam castigados por causa das brigas que Anquises gostava de arrumar.
- Já fostes alertado pelos Irenais, Anquises! Não serei açoitado por ti!!
Iolau encheu-se de força e entendeu finalmente para que servia uma sissítia. Ele entendeu que os membros dos Corujas tinham agora um pacto de união que duraria para sempre. Ele lembrou que seu irmão sempre encontrava com os amigos de sua sissítia. Ele, olhando em volta, para seus amigos, lembrou que o grupo de seu irmão que chamava-se Linces. E as poucas estórias que seu irmão se preocupou em contar-lhe foram exatamente sobre os Linces. Agora, ele olhava em volta e se via entre os seus próprios Linces. E também olhava para Heleno, que o chamara de amigo.
- Eu tenho amigos. Sussurrou ele para si mesmo.